A primeira viagem internacional a gente nunca esquece!
O time de futebol Sem Recurso FC percorreu incontáveis quilômetros, atravessou rios e cachoeiras, vales e montanhas, ultrapassou divisas e fronteiras, desceu a popularmente conhecida Serra de Botucatu e adentrou no interior paulista para mais um compromisso em seu extenso e sacrificante calendário futebolístico.
O adversário desta jornada foi a Associação Atlética Piramboiense, fundada em 1942. Pirambóia é um distrito do município de Anhembi, com população girando em torno de 1.350 habitantes. No passado sua posse foi disputada pela cidade de Bofete, por sua importante localização estratégica devido a passagem da estrada de ferro Sorocabana. No ano de 1993 o distrito tentou sua independência, porém sem sucesso manteve se como está até hoje.
Tamanho deslocamento exigiu trabalho intenso de logística nos bastidores. Como Pirambóia não possui aeroporto, a equipe seguiu de van fretada. A orientação aos atletas foi de transportarem apenas o mínimo necessário para a partida, pois todo o espaço interno disponível seria utilizado para isopores e coolers contendo cerveja, item indispensável para hidratação no retorno. A hidratação na verdade estava liberada desde o início da viagem e dois atletas foram vistos bebendo na ida: Pelé Branco e o guarda redes Yuri, que é estrábico e tem a vista debilitada, possuindo visão funcional de 80% em seu olho esquerdo e apenas 5% em seu olho direito.
Após 40 minutos de um calmo e pacífico transbordo, o scret semrecursense chegou a Pirambóia. O motorista da van estacionou em uma sombra atrás de um dos gols e logo foi aconselhado a encontrar um local menos visado pelos atacantes botucatuenses, que estão tendo problemas em acertar seus chutes a gol. A partida que foi planejada para ter início as 9h (horário local) foi atrasada em 25 min, devido aos retoques finais de ambas as equipes na definição da coloração e tonalidade de seus fardamentos de jogo. Na opinião deste blogueiro, o meião preto deu uma impressão de time raçudo, em contraste ao uniforme todo branco, quando foram indagados se eram jogadores da Unesp em partida anterior.
O técnico Rafael Bacia trouxe sua pranchetinha imantada até o campo e no percurso sofreu chacota da torcida, por ser muito nutellinha. A sua disposição estavam: o arqueiro Yuri, os laterais Thalismã e Pelé Branco, os zagueiros Felipe Pedrada e Bunda - o italiano, os volantes Fer Véio, Maffia e Barduco - o pitbull enjaulado, os pontas Cegão, Daniel Saidera e Caio, o armador Flávio Pires e o trombador Afongol. Os atletas Fer Véio e Caio ficaram no banco, derretendo sob o forte calor que fazia no momento.
A média de idade do Sem Recurso é de aproximadamente 32 anos (o número sobe para 37 quando Fer Véio joga). Do lado oposto jovens de 18 a 25 anos, tendo até uma promessa de 16 anos. Sufoco pros mais velhos.
A partida:
Os primeiros 20 minutos de jogo foram de grande posse de bola do time da casa, praticamente 80%. Fechado atrás, o Sem Recurso não teve chances de ataque e Pirambóia, apesar do domínio, também pouco produzia. Em jogada conturbada dentro da área, após duas tentativas de chute a gol em sequencia que nas duas vezes foi bloqueada com as mãos, o juiz apitou e apontou a marca do pênalti. Yuri infelizmente não acertou o canto na batida e nada pode fazer para evitar o gol de Pirambóia.
Os visitantes então pareceram acordar, conseguindo algumas escapadas em velocidade ao ataque, característica desta equipe. Cegão e Daniel Saidera tiveram algumas oportunidades de se aproximar a área, mas erraram no drible que antecede a finalização ou a assistência final. O último passe não estava saindo. Quem resolveu a dificuldade na assistência foi o lateral esquerdo Pelé Branco, que em situação avançada, ergueu a cabeça e fez um longo cruzamento a área em direção a Afongol. Este atacante, já velho de guerra, estava bem posicionado e executou o vôo do beija flor, parando no ar por 7 segundos, com os braços erguidos em pose cinematográfica de karatê kid Daniel Sam, pronto para dar o golpe. Que cruzamento! Que jogada! Que imagem! Afonso finalizou em direção ao gol mas o chute rebateu na zaga, voltando em seu peito dividindo com o goleiro, a bola sobra no ar e cabeceando bola, zagueiro e goleiro, anota o suado gol para o Sem Recurso FC!!! Empate em 1 x 1.
Ainda no primeiro tempo Flavio e Cegão tiveram a oportunidade de virar o marcador em faltas cobradas nas redondezas da grande área. Flávio, o especialista e cobrador oficial do time, acertou o travessão em belo chute por cima da barreira. Quase gol! Cegão em posição um pouco mais distante tentou repetir o tento feito no jogo anterior, em chute de média força, fazendo a bola quicar a frente do goleiro, mas não teve êxito nesta cobrança.
A equipe do Piramboiense também teve suas investidas, em lance cara a cara e em cobrança de falta. E foi então que o guarda redes Yuri apareceu e cresceu. No lance cara a cara fez ótima defesa impossibilitando uma jogada de gol quase certo, e na excelente cobrança de falta do 10, em que a bola fez curva e súbita queda, o elástico arqueiro botucatuense buscou a bola em seu canto esquerdo e fez uma das defesas mais bonitas de sua carreira. Fechou o gol.
A administração do agradável campo de Pirambóia mantem o campo com fertilizantes orgânicos, grandes rodelas de bosta de vaca distribuídas em alguns pontos do gramado. Em alguns lances de passe a bola desviava na bosta, dificultando a domínio e a concentração dos atletas. Foi um desafio a mais para os dois times, que tiveram sorte de o tempo estar quente e seco, não tendo a preocupação de escorregar na merda.
O sol castigava as duas equipes e para alívio geral o primeiro tempo, em que alguns atletas de Botucatu já se arrastavam, terminou.
Após o descanso, ficaram no banco o volante Maffia que deu lugar a Fer Véio, e Daniel Saidera, que havia sido substituído no final do primeiro tempo, dando vaga para Caio.
Esta dupla, Daniel Saidera e Caio, protagonizou o momento Madeirão da partida, em situação mais a frente quando os dois estavam em campo. Em jogada pelo corredor direito, tentando pegar os adversários com as calças curtas, Daniel e Caio tramaram jogada que foi cortada pela lateral. Daniel alvoroçado, agoniado para dar rápida sequencia ao lance, grita para Caio ir fazer a cobrança. Este atleta parecia avoado e levou alguns segundos a perceber que a bola saíra pela linha, que teria a posse de bola e que era ele mesmo quem faria a cobrança. Ao enfim Caio elevar a bola sobre sua cabeça, Daniel gritava desesperado "pra mim, pra mim, aqui, aqui" mas Caio não estava bem, e num mal súbito teve o famoso piripaque dos Chaves, travando por completo. Com o olhar perdido num horizonte sem fim, ele parecia não ver e nem reagir ao berros e pulos aflitos de Saidera, que nessa altura já havia perdido a esperança de armar um contra ataque veloz. Após mais alguns segundos de bloqueio mental, Caio arremessa a bola pro alto, tocando para absolutamente ninguém, em vergonhosa reversão. Daniel saiu da jogada abatido pelas fortes emoções sofridas.
Como é de péssimo costume, os jogadores do Sem Recurso iniciaram de corpo mole a segunda etapa, dando possibilidade do Piramboiense gerar muitas chances de gols. Com auxilio de Yuri, até conseguiram resistir por 12 minutos sem ser vazados, mas o time parecia não acordar. E o pior aconteceu: a equipe sofreu 3 gols em questão de 10 minutos. Com certeiros lançamentos e rápidos ataques por baixo, o conjunto todo falhou. Eram 25 minutos do segundo tempo e o jogo estava 4 x 1 para dos donos da casa. Apesar de algumas discussões pontuais e algumas cabeças baixas momentâneas, o time juntou os cacos e voltou a batalha após parada técnica devido ao forte calor. Recompôs sua defesa, ajustou os volantes e fez novas combinações com os atacantes. Neste momento Flávio sente sua velha lesão atrás da coxa tatuada e teve de ser substituído, encontrando Thales no banco, que também sentia lesão em seu calcanhar. Mesmo sem os 2 atletas, a equipe tentou se unir para tentar fazer um ou dois gols, honrando o uniforme.
O Sem Recurso se expôs em alguns momentos tentando reagir, e quando era agredido pelo adversário, a defesa rebatia, em ótima partida de Daniel "Bunda" Bertaglia e estupenda e inesquecível atuação do goleiro Yuri. Em determinado chute desferido pelo bom jogador piramboiense numeral 10, nosso arqueiro fez uma linda ponte executada com salto de 2 metros de distancia e jogou pra fora o perigo. Devido a seu vultuoso corpo de enorme concentração calórica, quando Yuri foi ao solo registrou-se um abalo sísmico de 4 graus na escala Richard, acusado pela central de terremotos de Anhembi.
O Sem Recurso conseguiu descontar o placar em lançamento de Afongol nas costas dos zagueiros para a velocidade de Cegão, que dominou a pelota já tirando do goleiro, restando apenas empurrar pra dentro.
Ainda houve tempo de Barduco realizar uma cobrança de falta que ele prefere esquecer, mas este repórter não. Com receio de chutar forte demais e perder a bola no córrego que flui atrás da meta, o volante que não passa por grande fase, efetua um chute pífio, tímido e sem vergonha, longe 3 metros da meta e tão fraco que pingou antes de sair pela linha de fundo.
Restou ao juiz encerrar a partida, com o placar em 4 x 2 para Pirambóia.
Apesar da derrota, a equipe de reuniu animada pois era o momento esperado da abertura do isopor, 40 minutos de viagem reidratando o corpo, rumo ao Bar do Caipira, no topo da Cuesta.
Destaques e desempenhos individuais:
- Yuri, o melhor do jogo (pela primeira vez um goleiro)
- Maffia efetuou dois bons chutes a gol
- Afonso faz sua parte e sempre guarda o seu
- Daniel rabiscou os zagueiros, 3 dribles por segundo
Acendeu sinal amarelo para técnico:
- Thales abertamente insatisfeito com a lateral
- Posição de ET como titular no gol completamente comprometida